segunda-feira, 14 de abril de 2008

Lucília Simões

Lucília Simões nasceu no Rio de Janeiro, a 2 Abril de 1879. Era filha da actriz Lucinda Simões e do actor Furtado Coelho. Teve um irmão, Luciano, que fez uma carreira discreta no teatro.
O seu primeiro trabalho foi em Coimbra, no papel de Maria em Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, em que contracenou com o avô, que fazia o papel de Telmo. A sua estreia oficial aconteceu no Teatro da Rua dos Condes com a peça Madame Sans-Gêne de Sardou, em Dezembro de 1895.
Viveu intensamente os anos seguintes, influenciada pela mãe, tendo participado em cerca de doze apresentações até ao ano de 1908. Trabalhou com todos os grandes actores do seu tempo, tendo contracenado com os irmãos Augusto e João Rosa, Eduardo Brazão, Ângela Pinto e Rosa Damasceno entre outros. Lucília Simões, afirmou-se como grande actriz se bem que tenha sido muitas vezes criticada por não ter um espírito próprio, não ter escola, ser pouco criteriosa nos trabalhos que fazia: tinha um enorme talento – todos lho reconheciam – mas era acusada de não fazer trabalho de base, de se enconstar à imensa facilidade com que ia para cena.
Portugal deve a Lucília Simões a criação do papel de Nora, em A Casa da Boneca, de Ibsen, um dos seus primeiros grandes sucessos. Foi em 1899: em Fevereiro, a companhia da sua mãe, Lucinda Simões, estreou este texto em Coimbra, no Teatro-Circo Príncipe Real. A partir da tradução de Cristiano de Sousa, a peça foi ensaiada por Lucinda Simões, tendo o par Nora/Helmer sido desempenhado por Lucília Simões - então no seu início de carreira - e Cristiano de Sousa. Lucinda Simões fazia a personagem da Senhora Linde. Foi o primeiro espectáculo baseado numa peça de Ibsen feito por uma companhia portuguesa. Antes deste, só a companhia italiana de Novelli trouxera Os Espectros a Portugal.

Ora vejam só a carta que um crítico, J. M. Teixeira, escreveu a Lucinda Simões, a propósito da estreia desta peça, e como prenunciava já o tipo de críticas que viriam a fazer à jovem actriz, sua filha:

Minha Senhora.
- V. Exª, que não me conhece a letra, ficou admirada ao ver a assinatura.
Sim, minha senhora, eu sou o tal má-língua, bom rapaz, incapaz de fazer mal a alguém.
Vim agora do teatro e tenho vontade de dizer-lhe simplesmente coisas simples.
Não procurei ser-lhe apresentado, é noite de triunfo, e, se os meus amigos me ouvissem, teriam deixado V. Ex.ª só com sua filha.
Não quero falar-lhe do drama de Ibsen, nem da interpretação de sua filha, e preciso de falar-lhe de Ibsen e de sua filha.
Vi a Casa da boneca, e vi chorar V. Ex.ª. Vi bem que as suas lágrimas eram de mãe. Conheço as lágrimas da arte. As suas, minha senhora, julgo que pouca gente as viu; que as lágrimas de mãe só tarde as conhece a gente...
Mas eu não quero falar-lhe da minha vida.
A Casa da Boneca é um drama para o público e para os actores.
Lucília foi extraordinária de entusiasmo juvenil, de loucura.
Eu mesmo aplaudi.
Mas a Casa da Boneca indica o perigo, minha senhora. Lucília não deve pensar na infantilidade que faz rir, na mocidade que encanta. Deve lutar para vencer.
Sua filha, minha senhora, é formosa, encanta pela ingenuidade, é, como Nora, uma boneca que se aplaude, e que agrada depois de ser aplaudida. Mas tem, como Nora, lá dentro uma alma pequenina, cheia de vida longa.
E deve lutar, minha senhora, para ter longa vida de triunfos.
Mas porque lhe escrevo eu, minha senhora, estas coisas?
Talvez V. Ex.ª entenda. Eu não sei...
Devia fazê-lo.
1899

Apesar destas críticas, Lucília Simões gozou de uma fase de grande sucesso, até que, por razões particulares, se afasta do teatro durante treze anos e só volta aos palcos em 1921, então à frente da sua própria companhia: associara-se a Erico Braga, com quem casara, formando a companhia Lucília Simões-Erico Braga.
É numerosa a lista de obras a que Lucília ligou o seu nome, mas recordamos mais recentemente O Bâton, de Alfredo Cortês, escrita para ela e para João Villaret, Perdoai-nos, Senhor, de Mendonça Alves, Fogueiras de S. João, onde o seu trabalho mereceu justamente os louvores da crítica. Foi magnífica intérprete de Raça, de Linhares Rivas e de Garçonne, extraída do romance de Victor Marguerite. Depois de uma temporada brilhante em que levou à cena todo o género de teatro, apresentou também Mar Alto, de António Ferro, que serviu para mostrar que desejava lançar novos ares no teatro com a sua companhia.
Lucília afirmava não ser possível trabalhar no palco do D. Maria porque “a lei que rege esse teatro mo proíbe, por ser brasileira.” Mas em 1963, estreia-se aí com o sucesso que foi Isabel, Rainha de Inglaterra, de André Josset.
Por fim, integrada nos Comediantes de Lisboa, deu o seu melhor e, após ter sido ensaiadora no Brasil da companhia Eva Todor, durante dois anos, voltou para Portugal para deixar finalmente o teatro.
Ao longo da vida recebeu inúmeros prémios como, por exemplo, a Comenda da Ordem de Santiago em Portugal, as Palmas de Ouro da Academia Francesa e inúmeras homenagens no Brasil.
Morreu em Lisboa, no dia 8 de Junho de 1962, tendo vivido quase cem anos.

Do nosso correspondente Vidal.

5 comentários:

Anónimo disse...

Boa noite,

Visitei hoje pela primeira este blogue e foi um acaso que aqui me trouxe. Estou, neste momento, a trabalhar sobre as estreias de Ibsen em Portugal, o que me levou a pesquisar um pouco em torno da figura de Lucília Simões (de que pouco sei). Pela razão que referi, ser-me-ia muito útil poder aceder à carta de J.M.Teixeira que cita no artigo. Poderia, por favor, indicar-me a fonte?

Muito obrigada e bem-haja,
Sofia

A Bruxa das PAPs disse...

Olá Sofia!
É claro que lhe digo de onde a tirei. Mas dê-me uma semana, está bem? Preciso de ir a Lisboa para tirar a referência do livro e só para a semana. Não o tenho comigo. Vou dar uma volta aos meus livros e verei se tenho mais alguma coisa em que a possa ajudar.
Claro que já viu o Sousa Bastos, certo?
Um abraço

sofia disse...

Olá! Muito obrigada pela sua ajuda! Já visitei um pouco o Joaquim Madureira e o Luiz Francisco Rebello para me orientar, mas para já tenho andado a fazer um levantamento de notícias e críticas em períódicos da época.. A ver se consigo material relevante.. Todas as dicas e ajudas são muito bem-vinda, claro! :) Obrigada e até breve, Sofia

A Bruxa das PAPs disse...

Muito bem. Dê-me uns dias e eu digo-lhe mais qualquer coisa.
Bom trabalho e, se precisar, esteja à vontade para pedir ajuda.
Para as notícias da época, dê um (vários) salto à Hemeroteca de Lisboa (se é que está em Lisboa) e procure os jornais da época. Há muitos títulos sobre teatro: para uma ideia dos títulos que foram publicados, veja nas obras do Tengarrinha e do Pereira Caldas. Têm listas muitíssimo completas.
Um abraço

A Bruxa das PAPs disse...

Olá Sofia!
Não me esqueci de si mas, por estúpido que pareça, não encontro o livro de onde tirei essa carta. Mas não vou desistir...
Entretanto, vá ver "Recordações da scena e de fóra de scena" de Augusto Rosa. Tem várias referências à actriz. O livro está em todas as bibliotecas.
Já agora, uma sugestão - se é que não o fez já - vá ao Museu do Teatro. A biblioteca deles tem muita coisa e são muito prestáveis: ajudam-na de certeza!
Bom trabalho