segunda-feira, 7 de abril de 2008

Carlos Daniel

Nascido na Ajuda (1952), cresceu no seio de uma família de funcionários públicos. Começou por querer ser padre, mais tarde fantasiou uma carreira de decorador, até que acabou por seguir os passos de uma tia-avó, que se assumia como cantora e pianista. As muitas histórias dessa tia-avó alimentaram a curiosidade do rapaz, que acabou por embarcar numa aventura artística. Decide-se então, ainda adolescente, pela frequência da Escola de Teatro do Conservatório de Lisboa.
Carlos Daniel, louro e esbelto, face magra, expressiva, rosto inteligente, tinha uma certa aristocracia na atitude e no gesto, que, à partida, lhe abria as portas de qualquer palco. Com trabalho, dedicação, disciplina, com o seu enorme amor pelo teatro, e talento também provou que a beleza não tem de ser um espelho de uma pessoa superficial, tornando-se num actor admirável. Estreou-se como profissional no Teatro Experimental de Cascais, em Fuenteovejuna (23 de Abril de 1973), com encenação de Carlos Avilez. O 25 de Abril de 1974, acaba por libertar Carlos Daniel da necessidade de participar na guerra colonial que não estava disposto aceitar. Juntamente com outros colegas funda o Teatro de Animação de Setúbal.
A reabertura do Teatro D. Maria II em 1978, catorze anos após o incêndio que o destruíra quase por completo, permite-lhe a estabilidade que necessita. É no D. Maria que tem a possibilidade de representar D. Juan de Molière, dirigido pelo francês Jean-Marie Villegier. Mais tarde é convidado pelo mesmo dirigente, a representar em francês, na Comédie de Caen Les Galanteries do Duc d’Ossone, de Jean de Mairet. Esta oportunidade abre-lhe as portas para uma carreira internacional, que se prolonga pela televisão. Acabava por voltar sempre a Portugal pela saudade, e um dia, sozinho, é apanhado por um estúpido ataque cardíaco fulminante no dia 9 de Abril de 1996. Principais obras que interpretou: Estreia-se no Teatro Popular de Lisboa em Antígona de Sófocles (1969); no Teatro Experimental de Cascais Fuenteovejuna de Lope de Vega (1973); de 1974 a 78 no Teatro Animação de Setúbal: A Maratona de Claude Confortés; Medida por Medida de Shakespeare; a partir de 1978, no Teatro Nacional D. Maria II: Alfageme de Santarém de Almeida Garrett (1978); Felizmente há Luar de Luís de Stau Monteiro (1978); As Alegres Comadres de Windsor de Shakespeare (1978); Os Filhos do Sol de Máximo Gorki (1979); As Três Irmãs de Anton Tcheckov (1980); Tragédia da Rua das Flores de Eça de Queirós; Longa Viagem para a Noite de Eugene O’Neil (1983); Fígados de Tigre de Gomes de Amorim (1984); D. João de Molière (1986); Mãe Coragem e os Seus Filhos de Bertolt Brecht (1986); O Leque de Lady Windermere de Oscar Wilde (1993); Ricardo II de Shakespeare (1995). No acarte: Hamlet de W. Shakespeare (1987); Na Comédie de Caen. Les Galanteries du Duc d’Ossone, vice-roi de Naples. Na televisão, O Caso Rosenberg, e Fantasmas de Eduardo de Filipo, e várias novelas: Chuva na Areia, Desencontros, e Pedra sobre Pedra rodada no Brasil. No cinema: O Processo do Rei (1988) e O Fim do Mundo (1993), ambos de João Mário Grilo.

Do nosso correspondente Diogo.


A Bruxa gostaria de contar aqui algo do que foi o seu convívio com o Carlos Daniel.
Quando, em 1987, a Bruxa - ainda verde e ignorante nas lides teatrais - foi convidada para fazer a dramaturgia de Hamlet, no ACARTE, não conhecia ninguém no meio teatral. Ela não sabe nem como nem porquê, mas a verdade é que, uns dois ou três dias depois do primeiro ensaio, deu com ela a cavalo nos bancos dos camarins, a trabalhar incessantemente os solilóquios do príncipe da Dinamarca. E - há que dizê-lo! - espantadíssima por um actor já com carreira tão vasta estivesse tão disponível para trabalhar com uma estreante tão absoluta. Mas uma coisa a Bruxa vos pode dizer: se deve ao nosso director a oportunidade de ter dado os primeiros passos no mundo do teatro, deve ao Carlos Daniel muito do entusiasmo e, sobretudo, muito do imenso respeito que tem pelo trabalho do actor.
Anos mais tarde, a Bruxa voltou a trabalhar com o Carlos Daniel: já não era um príncipe então, mas um aristocrata inglês vitoriano. E, em 1995, a propósito de uma outra peça de Shakespeare, a Bruxa recorda muitos ensaios trabalhosos e atarefados mas, acima de tudo, dois momentos: uma tarde às voltas com uma única fala do rei, difícil de traduzir e a que o Carlos emprestou voz e fôlego para a Bruxa-tradutora conseguir chegar a um resultado que nos agradasse aos dois, e uma noite passada no gabinete do director do teatro a ensaiar a cena da morte de Ricardo II. Eram 4 da manhã quando, trôpegos e cansadíssimos, pedimos ao segurança que nos abrisse as portas da rua para podermos ir para casa.
Com o Carlos Daniel aprendi a vontade e determinação de experimentar uma vez e outra ainda, a humildade de tentar, errar e voltar a tentar, e admirei a perseverança e o imenso rigor no trabalho. Assisti a muitas horas de esforços durante os três espectáculos em que trabalhei com ele, sempre com resultados, sempre com desejo e determinação de dar a cada espectáculo o melhor que tinha para oferecer.

13 comentários:

Anónimo disse...

Mas que texto senhor diogo, e dona bruxa ...sim senhor ...assim a continuar ainda vamos para o guiness..boa sim senhor .....cumprimentos infernais.....Ricardo F

A Bruxa das PAPs disse...

Guiness? Porquê? Perdi-me... é do sono!

Anónimo disse...

guiness pela quantidade de posts bons..hahahahha

stigmaticwinky disse...

Gostei muito de ler os dois textos *

Anónimo disse...

concordo com wiylo...
é extremamente curioso e encantador que liga uma biografia (que eleva) e uma experiencia pessoal (que o humaniza e aproxima)

gostei!muito mesmo, também por ser quem é. ")

beijinhos
D.recibos

A Bruxa das PAPs disse...

Obrigada.

Philipa disse...

Muito obrigada pela homenagem!É com muito orgulho e saudade que vejo que a memória do meu tio ainda perdura!

A Bruxa das PAPs disse...

O convívio com o Carlos Daniel foi inesquecível... e é com muito prazer que recebo a visita de uma... sobrinha? Muito obrigada!

Anónimo disse...

E bom saber que uma pessoa tao "bonita" nao foi esquecida por este mundo louco de hoje. Ainda custa acreditar que ele nao esta entre nos.

Anónimo disse...

Estava numa pesquisa acerca do meu padrinho, um pouco de saudade, um tanto de orgulho e deparo-me com este texto.
É bom ver que ainda existe pessoas que não o esquecem... Um ser lindo, um actor fantástico! Obrigada pela lembrança magnifica e que me fez sorrir!

Rita Taveira

A Bruxa das PAPs disse...

Rita, obrigada pelo seu comentário. Esquecer o Carlos? Dificilmente, foram experiências muito marcantes...
Ainda bem que lhe provocámos um sorriso!

Unknown disse...

O Carlos era um amigo do coração. Saudades tenho eu. Não existe actor como ele e que falta nos faz. E que falta me faz...e a todos os seus amigos. Recordo bem a estima que tinha pela sua sobrinha, talvez a relação familiar que mais sentia...Agradeço que tenham postado estas memorias. Fez-me muito bem. PS: Será que é possível conseguir que o Centro de Arte Moderna da Gulbenkian publique a gravação do Hamlet?? Ninguem mais vai conseguir faze-lo como ele...e o Ricardo II? tenho partes gravadas felizmente...D João, claro que tenho. E da sua ultima peça, O Ensaio levado á cena no teatro aberto, gravei, mas alguem ficou com a minha cassete...pena, pois foi espantoso (como sempre)!

Anónimo disse...

E uma pena que nao haja mais fotos no google eu sou imigrante e nao me encontrava em Portugal a muitos anos, um dias destes fui rever as novelas Portuguesas e vi entao Que Carlos Daniel tinha falecido. Que pena...Hoje Portugal sao quase so caras novas e cantores honestamente so uma familia, para ser honesta nao me vejo a voltar para um Pais que ja nao conheco... Muito obrigado pelo tempo quedidicou a fazer esta homenagem aCarlos Daniel eu amirava- o imenso...